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Entrada do Independente do Lote XV, Belford Roxo |
Eu era um cara da
Baixada e que vinha dos bailes de funk do Lote XV, em Belford Roxo,
Farolito de Caxias, Paratodos da Pavuna, Signos e Giros de Nova
Iguaçu e várias outras quadras que a massa funkeira frequentava nos
encontros de pequenas e grandes equipes de som, mas que, também,
estava como estudante de ciências sociais da UFRJ.
Viver a baixada com
todos os seus contrastes e peculiaridades em relação a
desigualdade, pobreza, redes de relações colaborativas, violência
e ser estudante de uma das maiores universidades do país era algo
estranho e que me colocava entre mundos. Eu perdia parte da
naturalização que existia no meu olhar sobre as condições sociais
e econômicas que vivera até ali e despertava para uma espécie de
consciência que gerava um desconforto, um desencanto, em relação a
dinâmica histórica e social da Baixada Fluminense. Por outro lado,
sabia que o mundo universitário era algo distante, com regras e
cobranças, com níveis de dificuldades e assimilação bestante
desafiadores para mim, o primeiro a entrar na universidade e que
vinha do seio de uma família não letrada; de mãe e tias empregadas
domésticas.
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Paratodos da Pavuna |
Pelo meu grau de
comprometimento, já não podia ter medo e tão pouco me dar ao luxo
de permitir ser tomado por dúvidas se poderia ou não seguir o
processo de desconstrução da natureza desigual que inculca os
jovens da periferia quando frequentam o mundo acadêmico.
Em que pese o meu
interesse prematuro pela ciência política, encontrava em algumas
obras da sociologia e da antropologia maior incentivo ao exercício
de desconstrução conceitual e maturidade para ler os clássicos das
ciências sociais. No entanto, foi na literatura da antropologia
urbana que percebi uma afinidade, um sentido; aquela empatia que
certamente te faz se dedicar com mais energia e prazer na difícil
arte de aprender a estudar e construir relações entre os clássicos
e os fenômenos da vida cotidiana.
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Adicionar legenda |
Entre diversas obras,
destaco a tese de mestrado do Hermano Vianna, O Baile Funk Carioca: Festas e estilos de vida Metropolitanos.
Estava tudo ali - escrito da melhor forma e em cenas - o que eu
sentia como um cara da Baixada e um estudante das ciências sociais.
Eram análises rápidas que davam sentido ao meu processo de formação
e que me alertavam para o fato de ter acertado na escolha das
ciências sociais. A apreensão dos instrumentos conceituais e das
categorias de análise permitia que eu conseguisse enxergar o
exercício de descolamento das teorias das suas datas e o emprego das
técnicas de observação e análise dos conflitos urbanos na
metrópole fluminense.
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Peroba Dj dono da Equipe Califórnia. |
Naquele momento, ganhava
sentido para mim a narrativa da periferia que tomava corpo e volume
ao invadir o imaginário carioca, em meio a crescente crise urbana
que violentava as favelas e baixada do Rio de Janeiro. A conflituosa
dinâmica da metrópole com profundos problemas de falta de moradia,
infraestrutura urbana, saneamento básico e oferta de serviços de
educação, saúde e assistência empurrava diariamente milhares de
pessoas para as crescentes favelas e os terrenos retalhados da
Baixada Fluminense.
Funk Rio (1994) Documentário CECIP
Em meio a invisibilidade
dos dramas cotidianos das horas perdidas no transporte público na
Avenida Brasil e nos Trens da antiga CBTU e da FLUMITRENS, nas
enchentes que tragavam vidas e esperanças na Baixada Fluminense e na
Maré, na falta de água dos morros e no descaso e banalidade das
mortes de pretos, pobre e favelados nos conflitos entre facções e
com a polícia, o funk ganhava espaço nas mídias através de
horários comprados nas rádios e tvs.
A antropofagia dos
funkeiros reagia a todas as formas de abandono do Estado e a
violência crescente que dava sinais de que um dia toda aquela
desigualdade, energia represada e necessidade de viver provocaria
conflitos e serviria como manifesto poético reverberando a expiação
social do purgatório fluminense.
O funk invadia a casa
das classes médias e tomava de assalto o imaginário suburbano
levando a mensagem que à violência do cativeiro um dia seria
transbordada. Ao mesmo tempo que promovia a esperança para milhares
de jovens que, sonhando em ser um MC, se recusavam a seguir o destino
naturalizado pela força da máxima expropriação do trabalho e da
miséria, a marginalidade.
Se
fizermos uma análise rápida sobre as manifestações artísticas e
a força da mensagem no discurso, na narrativa do funk, perceberíamos
que por baixo da colcha de favelas e da retalhada periferia estava
sendo gestado um imenso território conflagrado pela combinação de
abandono, violência, naturalização da pobreza em níveis desumano
e uma resistência viva e heroica de jovens que não queria mais
baixar a cabeça para o desmando do Estado.
Entre
tantas músicas que expressaram o grito da periferia e dos favelados
destaco a síntese contida na letra do MC Bob Rum, que em 2003 lançou
o Rap do Silva.
Apresentação do MC Bob Run no programa da Furação 2000
Texto Hermano Vianna:
www.overmundo.com.br/download_banco/o-baile-funk-carioca-hermano-vianna
https://www.goodreads.com/book/show/716543.O_Mundo_Funk_Carioca
Fontes:
http://blogdolotexv.blogspot.com.br
http://acervodosbailes.blogspot.com.br/2011/05/a-estrutura-de-um-baile-funk-nos-anos.html